A caridade permite o perdão, e enquanto manifestação concreta do amor, dá-se também pela possibilidade de avaliar as situações, rever e agir a partir do que estamos vivendo. O perdão desvia a atenção da ofensa e a redireciona para a decisão transformadora tomada pelo ofendido, buscando formas de reconciliação e de reavaliação do que foi vivenciado.
A caridade permite o perdão
O beato Álvaro del Portillo, que conviveu de forma muito próxima com São Josemaria Escrivá, e foi seu primeiro sucessor, dizia que “costuma ser fácil amar quem nos ama, mas é difícil e pode parecer um absurdo amar quem nos ofende e enfrentar serenamente os danos causados”. Essa é mais uma forma de perceber quanto a caridade permite o perdão, a partir da decisão de fazer diferente. “O perdão, na sua forma mais autêntica e elevada, é um ato de amor gratuito que pode querer um bem para o ofensor: “amar o inimigo”.
As formas de vermos o mundo
Não é fácil ou rápido assumir uma realidade onde somos machucados. Ao vivermos coletivamente e em comunidade, passamos por uma série de desafios e formas de adaptação, pois uma das primeiras coisas que se choca é a nossa personalidade, o nosso jeito de ser, as formas de vermos o mundo e percebermos o outro. Somos formados por valores, preceitos, crenças, história de vida, privações, excessos, faltas, o ambiente social em que vivemos, as experiências de vida. A soma desses fatores às nossas regras sociais, necessidades, vínculos, coloca-nos frente a frente com a necessidade de aplicar, a cada dia, a caridade, o perdão e, consecutivamente, a doação ao outro.
A caridade está intimamente ligada àqueles que vivem em Cristo
Se a caridade está intimamente ligada àqueles que vivem em Cristo e por Cristo, e, neste sentido, quando e como temos vivido para o outro de forma a incluí-lo, respeitá-lo e ouvi-lo? Deus é Amor (Deus Caritas Est, Bento XVI).
Aí mora a essência da nossa vida coletiva. “Pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4,15). E se verdadeiramente amamos a Cristo, viver pelo outro e para o outro deveria ser o nosso bem maior. Se exercitamos a caridade cotidianamente, as virtudes como a bondade, a paciência e amor, lembremo-nos de que não é possível pensar no amor a Deus sem amar o próximo; e essa virtude se faz urgente em nosso tempo, virtude que passa pela prática, pela disponibilidade, pelo ser para o outro.
Perdoar também é curativo para quem perdoa
A palavra perdão, por definição em nosso idioma, é a capacidade de remissão de uma culpa, dívida ou pena, a desobrigação do cumprimento de um dever e a disposição para perdoar. Tem uma íntima ligação com nosso sistema de crenças e, para muitos, é um processo difícil que, sob sua óptica, está ligado à humilhação, a relembrar situações passadas, reviver emoções negativas. O perdão nunca é um processo automático e imediato. Mais do que isso, perdão é uma decisão que tomamos de forma consciente, rejeitando o ressentimento para com a pessoa que nos feriu, mesmo que ela não mereça isso.
Não se trata de perdoar por perdoar, mas de liberar em nós um espaço de mágoas, de entender como aquela situação me feriu, a interpretação de todo o ocorrido e uma vida mais leve dali para a frente. Sim, porque perdoar também é curativo para quem perdoa: tira-se o fardo, dá-se um novo rumo àquilo que, originariamente, nos machucava. Do ponto de vista psicológico, este termo ressignificar é dar um novo sentido ao que se passou e ao que vou fazer com tudo aquilo.
Olhar para dentro de si
Perdoar é como abandonar uma roupa velha, aquele sapato torto que já incomoda para vestir, pois deixando esta roupa de lado, poderemos fazer uma nova experiência. Assim também é com o perdão, vamos deixar o que passou de lado para que outras coisas possam ser vivenciadas.
E veja que bonito, a origem da palavra perdoar, no latim, é doar. Se perdoo, eu dou, eu entrego o meu direito de estar ressentido a quem me ofendeu, e abro mão de sentir o impacto de algo ruim. Ao olhar para dentro e rever a situação, você pode até mesmo se encontrar como parte culpada pelo problema ocorrido, e toda esta riqueza do perdão certamente tocará você e o preparará para os desafios da vida.
É tempo de revisão, a caridade permite o perdão!
É tempo de revisão em nossa forma de ser, colocando em prática aquilo que é bastante simples, inclusive, para a boa vivência do amor fraternal e da liberdade. É do amor gratuito que nascerão grandes aprendizados para nossa vida, pois é mais feliz aquele que faz pelo outro.
Elaine Ribeiro
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