Sim, temos vida! Mas o que exatamente estamos vivendo?
É possível que essa pergunta, à primeira vista, pareça estranha. Afinal, se estamos respirando, caminhando, falando, comendo… Isso não é viver? Em parte, sim. Mas a Tradição Cristã, unida à sabedoria dos Evangelhos, nos ensina que há mais de um modo de viver. A questão central é: em qual nível de vida estamos vivendo?
A língua grega, em que o Novo Testamento foi originalmente escrito, distingue três palavras para o que, em português, chamamos simplesmente de “vida”: bios, psique e zoé.
Bios refere-se à vida biológica, à existência física. É o que partilhamos com plantas e animais. Comer, dormir, crescer, reproduzir — isso é bios. É estar biologicamente vivo.

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Psique, por sua vez, está ligada à vida racional, emocional, interior. É a vida da alma no sentido psicológico: pensar, decidir, amar, sofrer, planejar. Aqui, já estamos no campo tipicamente humano. Todos que têm consciência de si mesmos, vivem essa dimensão. É o que chamamos de vida psicológica interior.
Zoé é, entre todas, a mais misteriosa e mais elevada. Refere-se à vida espiritual. Não é apenas uma dimensão psicológica elevada, mas uma vida nova que procede diretamente de Deus. É a vida divina comunicada ao homem pela Graça Santificante. É a vida plena que Jesus veio nos oferecer: “Eu vim para que tenham vida (zoé) e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Confundir vida interior com vida espiritual é um erro comum. Muitas pessoas se dizem “espirituais” porque meditam, leem, refletem sobre o sentido da vida. São pessoas que cultivam pensamentos elevados e, por vezes, até práticas religiosas. No entanto, sem a Graça Santificante, não se trata de vida espiritual, mas apenas de vida psicológica interior.
A vida espiritual é um dom. Ela começa quando recebemos, pelo batismo, a Graça Santificante que nos torna filhos de Deus e templos do Espírito Santo. É zoé, e não apenas psique. É vida divina, não apenas vida psicológica construída em cima do biológico.
Em qual vida você está?
É um bom exercício espiritual perguntar-se: Qual tipo de vida tenho buscado cultivar? Em qual dessas “vidas” invisto mais tempo e energia? Se sua atenção está concentrada nas necessidades do corpo — alimentação, aparência, conforto —, talvez esteja centrado no nível do bios.
Se vive constantemente voltado para os próprios pensamentos, sentimentos, problemas interiores, cultura e arte talvez tenha despertado para a psique, a vida interior. Mas ainda está a um passo da vida verdadeira.
Somente quando seu coração se volta para Deus, quando vive em estado de graça, quando busca os sacramentos, a oração profunda, o abandono à vontade divina — aí sim, está vivendo a zoé, a vida espiritual.
Cristo não veio apenas nos ensinar a pensar melhor ou a viver com mais equilíbrio emocional. Ele veio para nos dar vida. E essa vida não é uma reforma da anterior, mas uma criação nova (cf. 2Cor 5,17) proveniente de Deus mesmo.
“Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna (zoé)” (Jo 5,24). Essa promessa é real, mas exige de nós um passo: sair do simples viver biológico ou psicológico e entrar na vida segundo o Espírito.
Pare um momento agora e pergunte a si mesmo: estou apenas sobrevivendo (bios), racionalizando (psique) ou estou realmente vivendo em Deus (zoé)? A porta está aberta. O Cristo Ressuscitado continua a nos chamar à vida plena. Que não nos contentemos com pouco.
Flavio Crepaldi
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